Ambivalência da condição feminina no conto Miss Algrave, de Clarice Lispector

Abstract

A obra de Clarice Lispector caracteriza-se pela inserção da discussão existencial no campo da abordagem do feminino. Em sua literatura, a filosofia do sujeito aglutina-se com maestria à filosofia da diferença, da alteridade. A coletânea de contos A via crucis do corpo (2000) representa de forma marcante essa tendência da escrita da autora. Aqui, as narrativas empreendem uma busca de compreensão da ambivalência do desejo, das potencialidades dialéticas de emancipação e escravidão que atuam na experiência do prazer. As agruras do corpo feminino experienciado em formas de busca e alcance do gozo, bem como sua aprendizagem libertária, são as marcas preponderantes de tais narrativas. No conto objeto de nossa leitura, Miss Algrave, a passagem de um mundo de interdições impostas ao feminino a um campo de atuação de busca pelo gozo se dá pelo reconhecido recurso clariceano da epifania, aproximando-se, no caso específico do conto em análise, da linguagem fantástica, uma vez que onírico e surreal. Embora menos flagrantemente do que na maioria das narrativas da coletânea, aqui também se vê a ambivalência entre a emancipação e a obediência, mesmo após o evento epifânico transformador. A partir de sugestões e enfoques acerca da escrita de autoria feminina e suas relações com o corpo, o desejo e o prazer em suas ambivalências com o interdito, a emancipação e os modos de ser/estar femininos pautando-nos em Xavier (1998), Bocayuva (2007) e Silva (2010), e abordagens da literatura como contrafação do real, fenômeno humano capaz de instaurar formas de questionar e subverter a realidade à luz de Ricoeur (1990), Candido (2000) e Todorov (2012), aventamos no presente trabalho uma leitura que busca a compreensão das percepções do desejo, das antinomias envolvidas na experienciação do corpo, no campo da condição feminina, no conto Miss Algrave, de Clarice Lispector.