Saúde mental e família: um estudo com familiares de moradores de Residências Terapêuticas Particulares

Abstract

Embora a loucura sempre tenha existido na história da humanidade, foi a partir do século XVIII que se estabeleceu o seu lugar, a instituição psiquiátrica. Lugar de práticas excludentes, segregadoras e de ruptura dos laços familiares. A reforma psiquiátrica nasce do movimento de crítica à instituição psiquiátrica, movimento este que busca uma reestruturação do atendimento em Saúde Mental. A desinstitucionalização e o resgate da cidadania destes sujeitos tem a família como um dos pilares importantes nesta luta. A Lei de Reforma Psiquiátrica no Brasil (Lei 10.216/2001), seguindo a proposta da Psiquiatria Democrática Italiana, criou o chamado modelo substitutivo, que se caracteriza pela existência, dentre outros serviços dessa política pública de saúde mental, das Residências Terapêuticas. Estas se configuram como casas localizadas no espaço urbano, constituídas para responder às necessidades de moradia de sujeitos em sofrimento psíquico, egressos de hospitais psiquiátricos ou não. Além das residências terapêuticas que mantém convênio com o SUS, na cidade de Campina Grande/PB existem quatro residências terapêuticas particulares. Neste trabalho realiza-se um estudo com os familiares dos moradores de três destas residências. Fundamentando-se na Psicologia Social Discursiva, este estudo tem como objetivo principal analisar nos discursos destes familiares os argumentos construídos para justificar a opção pelas residências terapêuticas particulares. Os objetivos específicos são: verificar nos discursos dos familiares os sentidos que constroem sobre as residências terapêuticas particulares; e analisar as definições de loucura construídas por esses familiares, procurando detectar discursos em que aceitem (ou não) a inclusão do sujeito em sofrimento psíquico na família e na sociedade. Foram entrevistados dez familiares, dois homens e oito mulheres. O material obtido através de entrevistas semiestruturadas foi gravado e transcrito para ser analisado com base na Análise de Discurso proposta pela Psicologia Social Discursiva. No que se referem aos resultados, os entrevistados constroem diversos argumentos para justificarem a opção pelas residências particulares, dentre os quais se destacam: que não houve opção e sim falta de alternativa; a superlotação dos serviços públicos; por qualificarem o serviço de forma positiva; e o trabalho que o sujeito em sofrimento psíquico demanda. No que diz respeito aos sentidos construídos sobre essas residências, elas são descritas como um lar; “a segunda casa”; a solução para os sujeitos em sofrimento psíquico; uma ajuda; algo bom que apareceu, pois as responsáveis pelas residências são “gente boa”, “cuidam deles direito”. As definições de loucura construídas por esses familiares posicionam os moradores das residências como crianças; pessoas agressivas; que não sabem o que fazem. A loucura é descrita como um quadro irreversível. Utilizam também nomenclaturas como “depressão”, “esquizofrenia crônica”, “erro médico” para definir o que é loucura. Os discursos construídos sugerem que os familiares não aceitam a inclusão do sujeito em sofrimento psíquico na família e na sociedade. Para estes familiares, seus parentes sempre irão morar nas residências terapêuticas particulares, sendo este o futuro dos mesmos. Observa-se, então, que o movimento de Reforma Psiquiátrica ainda tem muitos caminhos a serem percorridos, vários são os obstáculos que dificultam a reinserção social da pessoa em sofrimento psíquico.