Estatuto da Família: Análise do discurso de parlamentares

Abstract

Esta pesquisa analisou o discurso de deputados da comissão especial destinada a proferir parecer ao Projeto de Lei Nº 6853/2013, que dispõe sobre o Estatuto da Família. Apoiado pela Frente Parlamentar Evangélica, o projeto visa modificar drasticamente a atenção à família no país, que é considerada a instituição base da sociedade e objeto de proteção especial do Estado, através de uma definição de entidade familiar que exclui diversos arranjos familiares menos tradicionais. Procurou-se identificar os argumentos com conteúdo religioso que são favoráveis ou contrários ao Estatuto, analisando como os parlamentares constroem a factualidade dos seus discursos, ou seja, a sua credibilidade argumentativa. A perspectiva teórico-metodológica escolhida foi a Psicologia Social Discursiva, uma das vertentes da psicologia social pós-moderna com influências pós-estruturalistas da Análise Conversacional e da Etnometodologia. Através de conceitos como ação, variabilidade, retórica e construção, esta pesquisa identificou como os falantes constroem suas elocuções para realizar ações discursivas. Foi possível constatar que os principais argumentos dos deputados favoráveis ao projeto foram a legalidade e a constitucionalidade do Estatuto. Para defender o projeto, também acusaram seus adversários de tentar implantar o laicismo no Estado. Por sua vez, os principais argumentos dos deputados contrários ao projeto foram qualifica-lo como um desrespeito à laicidade do Estado, um gesto de fundamentalismo religioso e uma expressão de homofobia. Foi possível observar, também, como deputados de ambos os lados aparentaram ter interesses religiosos velados e defenderam sua versão do projeto justamente porque corresponde a esses interesses. Concluiu-se que tanto a construção da factualidade discursiva ampara-se no conteúdo religioso dos argumentos, como os argumentos religiosos ganham fidedignidade através das estratégias retóricas de factualidade. Também verificou-se que é possível distinguir os argumentos dos deputados favoráveis e dos deputados contrários apenas em termos de conteúdo, pois em termos de emprego de dispositivos argumentativos, ambos são equivalentes, porquanto utilizam-se de estratégias discursivas similares e recorrem ao discurso religioso para fazerem-se ouvidos. O projeto do Estatuto da Família, tal como está proposto hoje, restringe e limita o acesso a direitos constitucionais, especialmente à proteção da seguridade social, podendo vir a prejudicar a saúde psicossocial da população brasileira caso seja tornado lei.