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O medo é uma emoção que acompanha o homem desde muito antes de este realizar a façanha de erigir uma civilização. Conhecido por toda criatura viva, ele se apresenta para nós, seres vivos, como o mais eficiente instrumento de defesa contra qualquer empecilho que, de acordo com as palavras de Chaui (1987), possa apresentar-se à preservação da nossa incolumidade corpórea ou anímica. Sua pluralidade de manifestações não se curva a nenhum dogma. Seus estímulos podem estar condicionados aos espaços nos quais são originados: isso é o que nos ensina a nossa experiência com o mundo. Num espaço como a prisão brasileira do século XX, no qual a mistura de revoltas contra a sociedade e o estado tem como hospedeiros infratores e delinquentes, galões transbordando de ódio e de desejo por vingança, o medo fará morada fixa; o cárcere será a sua mansão. Pensando-se na representação dessa relação entre medo e prisão é que nasce, portanto, o propósito deste estudo. Nele, que terá como objeto de análise o romance Estação Carandiru, do médico e escritor Drauzio Varella, procuramos evidenciar a maneira como os medos sentidos pelos personagens-prisioneiros, protagonistas dos relatos que dão corpo à narrativa, se refletem na maneira como eles pensam e agem no cotidiano prisional, no qual são regidos por um código penal não escrito que, segundo Varella (2010), é aplicado com extremo rigor. A severidade da vida no cárcere e a contundência das leis que regem o mundo do crime dentro do Carandiru reproduzido pelo autor são apontadas como os motivos principais dos medos por nós descritos e analisados. Foi possível concluir, nalguns casos, que, por medo, os personagens-prisioneiros podem realizar ações que vão desde as mais sutis às mais extremas, tais como viver no ostracismo como estratégia de sobrevivência, fingir-se de louco para fugir da vingança de inimigos, assumir a culpa de contravenções não cometidas ou até mesmo matar companheiros que lhe são caríssimos. Para o tratamento da questão do medo, buscamos apoio, principalmente, em Chaui (1987), Ciceri (2004), Delumeau (2009) e Bauman (2008). Para tratar sobre as formas de punição e o surgimento da prisão enquanto instituição social, buscamos embasamento em Foucault (1987). No que se refere ao código penal não escrito que rege a vida no cárcere, amparamo-nos em Ramalho (1979). Em relação aos apontamentos sobre a personagem e o ponto de vista na prosa de ficção, importantes para a realização de nossas análises, uma vez que elas estão engajadas nestes elementos narrativos, especialmente a personagem, buscamos respaldo em Friedman (2002), Moisés (2006), Cândido (2007) e Moisés (1981). E, por fim, para falar sobre o gênero literário Literatura de Cárcere, elegemos o trabalho de Lopes (2014) como nossa principal referência teórica. |
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