Cancelamento virtual como forma de exercício do poder disciplinar: uma análise a partir das ideias de Michel Foucault

Abstract

O cancelamento virtual despontou como um fenômeno significativo nas redes sociais, envolvendo uma espécie de punição a indivíduos devido opiniões ou comportamentos que não correspondem às expectativas sociais. Este estudo se volta às dinâmicas de poder contidas no cancelamento virtual, com foco na possibilidade de que, apesar do cancelamento atingir tanto homens quanto mulheres, as posições discursivas assumidas nos julgamentos podem ser distintas para ambos. O objetivo geral consiste em analisar discursivamente o fenômeno da cultura do cancelamento virtual em redes sociais, a fim de compreender o funcionamento da vontade de verdade frente às temáticas identitárias de raça e gênero que constituem este discurso. Para isto, delineou-se três objetivos específicos: a) Descrever os discursos produzidos no cancelamento virtual e as sequências enunciativas que são mais frequentemente mobilizadas para justificar esta prática; b) Discutir a relação entre a cultura do cancelamento virtual e as relações de poder imbricadas nos discursos que emergem dessa prática; c) Refletir como as subjetividades são produzidas a partir da vontade de verdade e regulação social que atravessam e constituem os dizeres no ambiente das mídias digitais. A pesquisa foi conduzida mediante um estudo descritivo-interpretativo de natureza qualitativa, cujos dados foram interpretados sob a perspectiva da arqueogenealogia de Michel Foucault (1996; 2012). Ao longo do trabalho, foram abordados os conceitos de discurso, enunciado, poder, vontade de verdade e subjetivação. O corpus é composto por excertos retirados de postagens das redes sociais: Instagram e da Rede X, devido à popularidade e relevância desses espaços no contexto atual. Percebeu-se que os julgamentos dirigidos aos cancelados são seletivos: quando direcionados às mulheres, são carregados de uma linguagem depreciativa, quando referentes aos homens, estes frequentemente são perdoados, com uma construção positiva de sua imagem, apontando para um cancelamento mais brando, com um tom menos odioso e agressivo. Isso revela que as práticas discursivas do cancelamento estão enraizadas em relações de poder que perpetuam as diferenças de gênero e raça.